'Não é preciso ir a uma festa com 5 mil pessoas para se sentir bem', diz psicólogo; culpa de transmitir o vírus pode levar a transtornos


As imagens de festas lotadas em plena pandemia se tornaram rotineiras no Brasil desde o Ano-Novo. Pessoas que dizem estar cansadas de ficar em casa se aglomeram em eventos sem uso de máscaras.

Todavia, a alegação de que as festas são um escape e poderiam ser positivas para a saúde mental não procede na avaliação de especialistas.

“Vimos um aumento muito alto na demanda de casos relacionados à saúde mental durante a pandemia, mas não é justificativa para aglomerações. Você não precisa ir a uma festa com 5 mil pessoas para se sentir bem”, afirma o psicólogo Yuri Busin, diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio (CASME).

Mesmo assim, o “argumento” tem sido usado por quem se arrisca em festas clandestinas ou em praias lotadas pelo país, descumprindo as orientações de segurança no combate à pandemia.

O Brasil voltou a registrar uma média diária de mais de mil mortos em decorrência da covid-19, chegando ao recorde de 1.452 óbitos no último dia 11, o maior número desde julho do ano passado.

“É importante as pessoas se conscientizarem de que existe um movimento de empatia, muitas pessoas estão mais vulneráveis. É uma era em que a gente precisou esbarrar em questões que não estávamos preparados, ficamos com medo, muita gente se traumatizou, então as pessoas acabam se cansando e usando desculpas”, diz Busin.

Para o especialista, descumprir as medidas de segurança não vai garantir um bem-estar mental, sobretudo porque aumenta a frequência de transmissão do coronavírus, intensificando ainda mais a pandemia.

“Acaba piorando se a gente infringir as normas toda hora, vai fechar tudo de novo. Procure fazer atividades prazerosas, estipule um horário para bater um papo com seus colegas que não seja só sobre trabalho, já existe também a possibilidade de ir a restaurantes em segurança. Na dúvida, procure um psicólogo que possa dar uma assistência nesse processo”, orienta.

Segundo o psiquiatra Kalil Dualib, presidente do Departamento Científico de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, usar o bem-estar mental como justificativa para ir a festas, por exemplo, é como voltar à adolescência e apostar em um comportamento inconsequente.

“É um pensamento de adolescente, que passa por aquela fase de se expor a muitos riscos em um jogo com o que pode e o que não pode. Aglomerar, então, é se comportar como um adolescente que age sem pensar nos outros e no impacto que essas atitudes podem ter. É preciso maturidade para pensar também no bem-estar do próximo”, explica o psiquiatra.

Para ele, há outras maneiras de garantir uma boa saúde mental e suprir a necessidade de convívio social sem descumprir as orientações de segurança.

Buscar manter uma rotina, com horário para dormir, acordar e ter um momento dedicado à prática de exercícios físicos, por exemplo, pode ajudar quem passou a sofrer de insônia durante a pandemia.

“Quem sabe a pessoa possa aprender uma coisa nova, uma língua nova. Usar o tempo para uma coisa que sempre quis fazer, já que hoje temos tudo acessível por meio de ferramentas de mídia. Praticar meditação, caminhar em uma praça obedecendo aos cuidados. Isso tudo ajuda a saúde mental, assim como não abusar do álcool e outras substâncias químicas”, diz o especialista.

Na conta do risco versus retorno, aglomerar também pode desencadear outros transtornos mentais, principalmente se a pessoa que se arriscou acabar transmitindo o vírus para alguém da família, por exemplo.

“Isso pode gerar culpa. Tenho uma paciente que ficou muito mal por ter contaminado mãe, pai e tia. A mãe acabou indo para a UTI e isso gerou muito desgaste com a família e um quadro depressivo nela”, conta o psiquiatra.

Mas, ainda sabendo dos riscos, o que leva algumas pessoas à essa justificativa? “Todo mundo teve algum tipo de abalo na saúde mental durante a pandemia. Estamos vivendo em uma sociedade que está extremamente confusa, mas as pessoas começam a procurar confirmações do que elas estão querendo e não fatos. Veio a vacina e as pessoas interpretam que já está tudo bem, mas não está. Isso é um hábito muito comum: buscar coisas para justificar a nossa opinião”, ressalta Busin.