Política
Relator retoma proposta que permite corte de salário de servidor para reequilibrar contas públicas
Dispositivo entrou na versão da PEC Emergencial protocolada nesta terça-feira no Senado. Pelo texto, corte de salário e de jornada seria permitido em caso de desequilíbrio fiscal, e o governo deverá informar a duração da medida.
G1 / ALEXANDRO MARTELLO, G1
O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta de emenda à Constituição conhecida como PEC Emergencial, protocolou oficialmente nesta terça-feira (23) sua versão final do texto no Senado. Ele voltou a acolher um dispositivo da proposta original do governo, apresentada no fim de 2019, que permite cortar jornada e salário de servidores públicos para reequilibrar as contas públicas.
O corte de salários, na proposta do relator, não pode ser aplicado enquanto durar a pandemia de Covid-19 e seus efeitos. Segundo Bittar, a pandemia alterou de forma radical o cenário econômico. Por isso, avaliou que a proposta de redução de jornada e de salário dos servidores não seria “viável na presente situação'
Depois da pandemia, em situações de desarranjo fiscal, a remuneração de servidores e empregados públicos poderá ser reduzida em até 25%, com correspondente redução de jornada de trabalho.
Essa medida poderá ser adotada quando houver descumprimento da chamada "regra de ouro", mecanismo que impede que o governo contraia dívida para pagar despesas correntes, ou seja, despesas do dia a dia, como salário de servidores.
A regra de ouro vem sendo descumprida há três anos pelo governo. Para fazer despesas que furavam a regra, o governo teve que pedir autorização do Congresso.
Caso esse mecanismo da PEC já estivesse em vigor, portanto, o salário dos servidores poderia ser reduzido já em 2021. Nos próximos anos, os desequilíbrios da regra de ouro tendem a continuar, em função do forte desarranjo das contas públicas.
De acordo com o relatório de Bittar, o corte de salários e jornada poderá ser formalizado por ato do Poder Executivo, dos órgãos do Poder Judiciário, dos órgãos do Poder Legislativo, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.
O ato deve especificar por quanto tempo durarão os cortes.
"Importa assinalar que a redução de remuneração com redução da jornada constitui, dentre as medidas previstas, a única efetivamente capaz de acarretar uma diminuição da despesa com pessoal. As demais somente poderão evitar que ela continue a crescer", diz o relatório.
Nesta segunda-feira (22), ao apresentar versão preliminar do documento, o senador Bittar informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a redução de jornada e salário de servidores públicos não estaria contemplada em seu relatório.
O fim dos pisos para gastos com saúde e educação nos municípios, que já aparecia na versão anterior da PEC, foi mantido pelo relator. Com isso, estados e municípios estariam desobrigados a investir um valor mínimo nessas duas áreas.
Uma PEC, para virar lei, precisa ser aprovada em votações de dois turnos na Câmara e no Senado. Por se tratar de mudanças na Constituição, exigem os votos favoráveis de 3/5 dos parlamentares das duas Casas.
Outras formas de ajuste
Além de reduzir jornada e salário de servidor, no caso de não cumprimento da regra de ouro, o governo também poderá suspender a destinação de 28% dos recursos arrecadados com as contribuições do PIS/Pasep ao BNDES.
Progressões e promoções, na carreira, de servidores públicos, incluídos os de empresas estatais dependentes, excetuadas as promoções dos membros da magistratura e do Ministério Público, bem como dos integrantes do Serviço Exterior Brasileiro, das carreiras policiais e outras que impliquem alterações de atribuições, também podem ser suspensas.
"O período de suspensão das promoções não será computado para fins de concessões futuras e o saldo temporal anterior ao início da vigência das medidas de austeridade será aproveitado na contagem do tempo necessário para as promoções concedidas posteriormente ao fim daquelas medidas", diz o documento.
Decisão do STF
Em junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, proibir a redução de jornada e de salário de servidores quando os gastos com pessoal ultrapassarem o teto previsto em lei.
De acordo com o relatório do senador Márcio Bittar, é certo que a Constituição consagra a garantia da irredutibilidade de subsídios e vencimentos. Ele acrescentou que tal regra, no entanto, está sujeita a restrições.
“O próprio dispositivo que a veicula alude, por exemplo, à necessidade de observância do teto remuneratório constitucional, além de dispor que a incidência de imposto de renda sobre a remuneração (eventuais aumentos de alíquota nisso incluídos, obviamente) não configura ofensa à regra de irredutibilidade', avaliou
O texto também diz que o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento de recurso, “concluiu que a regra da irredutibilidade deve ser harmonizada com outras normas de estatura constitucional, como a do teto remuneratório'.
“Ademais, a diminuição da jornada é outro fator que nos leva a concluir não haver violação, pela proposta, da regra da irredutibilidade de vencimentos do servidor público. Com efeito, verificando-se redução proporcional da jornada, permanece inalterada a relação salário/hora', diz.
Acrescenta que é que o “raio de ação do constituinte derivado se revela bem mais largo do que o do legislador infraconstitucional'. “Para que a PEC viesse a ser exitosamente impugnada nesse ponto, deveria restar caracterizada ofensa à cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais', acrescentou.
Estados e municípios
Segundo o texto apresentado pelo senador, as medidas de reequilíbrio das contas públicas também poderão ser adotadas pelos estados e municípios sempre que as despesas correntes desses entes, no período de doze meses, alcançarem 95% das receitas correntes.
“Caberá ao chefe do poder Executivo de cada ente, uma vez configurada a hipótese, decidir se aplicará as medidas de austeridade, as quais poderão permanecer em vigor enquanto as despesas correntes não forem reconduzidas a nível inferior a 95% das receitas correntes', diz o documento.
Acrescenta que a adoção das medidas de estabilização e ajuste pelos estados, Distrito Federal e municípios “constituirá condição para que a União conceda garantia [para novas operações de crédito com instituições financeiras] ao ente federado'.