Enfraquecida, esquerda tem dificuldade para caminhar unida

Partidos de esquerda de Mato Grosso do Sul ainda tentam convergência, mas reconhecem dificuldades

BATANEWS/CORREIO DO ESTADO


A esquerda sul-mato-grossense perdeu força nos últimos anos. Esse cenário pôde ser visualizado mais precisamente nas eleições municipais de 2020, nas quais o espectro progressista teve um desempenho aquém do esperado, se levarmos em conta partidos grandes como PT e PDT.  

Ao mesmo tempo, uma sigla de esquerda que cresceu no País e no Estado foi o Psol, que hoje administra a prefeitura de Ribas do Rio Pardo, com João Alfredo. 

Sem a possibilidade de aliança ou convergência de outrora, os três partidos poderão estar enfraquecidos para a disputa eleitoral de 2022 no Estado, caso não cheguem a um entendimento.

O PT, maior partido de esquerda do País, permaneceu estagnado e repetiu o resultado de 2016. PDT e PSB, assim como Psol, garantiram ao menos uma prefeitura no Estado.  

Para muitos analistas políticos, a esquerda perdeu seu eleitorado por não focar em políticas voltadas às suas bases eleitorais. Ou seja, se afastou das classes C, D e E e da classe sindical trabalhadora.  

A pauta identitária, levantada por muitos partidos, também pode ter sido um dos fatores que afastou o seu eleitorado, principalmente em Mato Grosso do Sul, onde a maioria da população tem uma visão mais conservadora.

Essa visão converge com a opinião de Sandro Oliveira, doutor em Direito Constitucional pela PUC de São Paulo e professor da Faculdade de Direito (Fadir) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O especialista afirmou que o brasileiro vota em figuras políticas e não se pauta por ideologias, foco da esquerda no Brasil nos últimos anos e que acabou traçando a polarização política que o País atravessa hoje.  

“A esquerda se pautou nas pautas de costumes e teve avanços, a meu ver importantes, como a união estável entre casais homoafetivos e proteção a comunidades indígenas e quilombolas. No entanto, acabou deixando à parte a questão trabalhista, tão cara para a maior parcela da população brasileira, que está aglutinada nas classes C, D e E. Além disso, podemos dizer que o brasileiro ‘vota com o bolso’, ou seja, ‘comida na mesa’, e nos últimos anos, principalmente no governo Dilma, o poder de compra do salário mínimo caiu, o que acabou deixando descontente boa parte do eleitorado, que creditou seu voto em partidos mais progressistas', explicou.  

Para Oliveira, o perfil mais conservador do eleitorado sul-mato-grossense também influencia. “O discurso populista da direita extrema, mais conservador, se converteu em votos, principalmente em 2018, com a eleição do presidente Bolsonaro. Portanto, imagino que hoje a esquerda não deve perder suas bandeiras de costumes, porém, deve lançar um programa claro para a melhora da economia sul-mato-grossense. Ou seja, acredito que o caminho deva ser adotar a linha mais social-democrática, que avança nos direitos sociais sem se esquecer dos índices econômicos', analisou.

Essa visão também é compartilhada por uma das lideranças progressistas do Estado, o deputado federal Dagoberto Nogueira (PDT). Ele reconhece que a esquerda no País, bem como em Mato Grosso do Sul, perdeu força, principalmente na área sindical.  

“Na minha campanha à Prefeitura de Campo Grande, conversei com muitos líderes sindicais e me deparei com alguns deles alinhados com o discurso bolsonarista, algo que era inadmissível se pensássemos com o panorama de quatro anos atrás, por exemplo. Nosso Estado sempre foi muito conservador, pois o agronegócio, que caminha nesse espectro, é muito forte', disse.  

“Portanto, a direita sempre teve força e só tivemos um protagonismo maior na eleição do Zeca do PT ao governo estadual, mas foi em razão do fato de a direita ter chegado a uma corrupção extrema, não por uma identidade ideológica, e nos perdemos nessa arrogância de pensar que o jogo estava favorável para o nosso lado. Ou seja, precisamos tentar conscientizar a nossa população sobre a importância da política partidária, e só atingiremos esse ideal com mais militância nas associações e nos sindicatos trabalhistas', acrescentou.  

Uma das principais lideranças partidárias de esquerda que ganhou mais notoriedade nas eleições municipais de 2020 foi Cris Duarte, do Psol. Ela concorreu à Prefeitura de Campo Grande e hoje aparece com destaque no cenário político estadual.

Ela enalteceu o fato de seu partido ter tido um grande avanço nas últimas eleições, principalmente no cenário nacional, com a ida de Guilherme Boulos (Psol) ao segundo turno na capital paulista. No entanto, ela reconhece que precisa de um trabalho forte nas bases eleitorais para fortalecer o discurso progressista no Estado.

“Só conseguiremos aglutinar nossas bases indo aonde o povo está: nas periferias, de onde a esquerda nunca deveria ter se afastado. O Psol, desde que foi constituído, tem esse compromisso. Se olhar para nossos parlamentares eleitos em todo o Brasil, em sua maioria são pessoas com muito engajamento em movimentos sociais, sindicais e comunidades periféricas. Em MS não é diferente, pois elegemos um prefeito e uma vereadora em Ribas do Rio Pardo, tivemos um resultado político vitorioso na Capital, com uma campanha representada por duas mulheres periféricas e de movimentos sociais contra nomes tradicionais da política, com mandatos estaduais e federal, e saímos melhores que algumas dessas figuras públicas com pouquíssimo recurso e 17 segundos de tempo de televisão', ressaltou.

Já sobre 2022, Cris Duarte informou que a sigla ainda estava celebrando as vitórias no pleito passado, porém, não descarta lançar uma chapa própria para concorrer ao governo do Estado. “Ainda estamos celebrando essa vitória, com inúmeras novas filiações. Estamos mais fortes e sem dúvida mais preparados para novas disputas. Sobre uma frente de esquerda, achamos importante, desde que seja discutida primeiramente do ponto de vista programático, e não apenas pensar em nomes. Caso não haja consenso, com certeza seremos protagonistas mais uma vez', afirmou.

O PT foi o principal derrotado nas últimas eleições, pois não conseguiu eleger nenhum prefeito em capitais. No Estado, por exemplo, a sigla repetiu o fracasso de 2016 e também não conquistou nenhuma prefeitura nos 79 municípios de Mato Grosso do Sul. Porém, na Capital ocupou duas cadeiras na Câmara Municipal, com a reeleição de Ayrton Araújo e a eleição da estudante de Ciências Sociais Camila Jara. A jovem liderança, de 26 anos e única mulher entre os 29 vereadores na legislatura atual, vem se destacando no Parlamento e hoje preside duas comissões da Casa de Leis: a Comissão Permanente de Cidadania, Direitos Humanos e de Proteção à Mulher e a Comissão Permanente de Juventude.

Ao ser perguntada sobre a perda de força da esquerda nos âmbitos local e nacional, Jara analisa que tanto quem se identifica com a esquerda quanto com a direita se manteve fiel às suas bases, porém, reconhece que a grande fatia do eleitorado que não vota por ideologia acabou se afastando dos partidos com visão progressista.

“Enquanto esquerda temos um desafio enorme, que é voltar a dialogar com a população, que quer respostas mais rápidas em torno de suas reivindicações, que hoje são enormes. Não adianta ficarmos falando apenas do passado, pois os problemas que temos hoje foram [ocasionados] pela condução da política nesse cenário anterior. Portanto, agora devemos enxergar o futuro e apresentar as soluções para esses questionamentos que essa grande parcela da população vem apresentando'.

Em relação à crise política que culminou com uma baixa de votos na esquerda, Jara afirmou que isso se deve também a um ataque maciço por parte da mídia e dos detentores do poder no País.

“Essas forças se aglutinaram para atacar uma política econômica de bem-estar social, que foi a marca dos governos Lula e Dilma. Eles venderam o sonho de Estado liberal e de que a máquina pública era a causadora de todos os problemas econômicos que estamos atravessando nos últimos anos. Portanto, foi um ataque a uma agenda econômica, e, a partir daí, a população não viu outra saída para a crise instalada e buscou essa nova alternativa de menos atenção estatal em diversas áreas. No entanto, essa corrente de pensamento não resolveu os problemas, pelo contrário, agravou eles. Agora o eleitor não está mais vendo a esquerda como o ‘mal encarnado’ e está analisando que muitas de nossas bandeiras fazem sentido', analisou.

Sobre 2022, Jara defende que o PT deva lançar candidato cabeça de chapa, pois demonstrou nas últimas eleições municipais a força que tem na Capital com a candidatura do deputado Pedro Kemp, que acabou em segundo lugar, sendo derrotado por Marcos Trad (PSD).