Após um ano de pandemia e restrições, especialistas acreditam que esgotamento e cansaço são principais motivo para aglomerações


Não tem jeito, todos os dias é possível encontrar facilmente notícias de festas clandestinas, aglomerações em bares e ruas, praias cheias e pessoas circulando sem o uso de máscaras no Brasil inteiro, mesmo com números recordes de mortes e casos de covid-19.

Para especialistas, alguns fatores podem explicar a atitude dos brasileiros que ignoram as medidas de segurança impostas por governos estaduais e municipais. Após um ano do início da pandemia, o cansaço ao ter de lidar com restrições pode explicar a despreocupação das pessoas.

O psiquiatra da USP (Universidade de São Paulo), Luiz Scocca, explica que mudar hábitos é um processo demorado e difícil. “Vamos admitir que passado todo esse tempo que estamos vivendo com medidas de restrições, as coisas que acreditávamos que seriam temporais estão virando hábito. E criar hábitos é muito difícil, seja ele qual for. Então, as chances de fraquejar aumentam muito”, diz.

A infectologista Sylvia Lemos Hinrichsen acrescenta que as pessoas não sabem mais o que fazer em casa. “As pessoas não têm mais o que fazer dentro de casa. Chegamos a um momento que, além da propagação da doença, as questões psicológicas são o ponto mais forte. As pessoas estão abaixando a guarda e se infectam”, afirma ela que é professora de medicina tropical da Universidade Federal de Pernambuco e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

O isolamento é uma das causas de depressão e, no momento que as pessoas estão com a saúde mental afetada, a sensação de risco muda. Scocca conta que tem ouvido relatos de pacientes sobre o assunto. “As pessoas seguem ansiosas, deprimidas e com medo da pandemia. E estamos na fase da frase: ‘Quer saber... e aí vem a bomba... se eu pegar, peguei. Se tiver que morrer, morreu”, relata o médico.

 

Para Sylvia, a sensação de risco é ainda maior nas pessoas mais novas. “Os jovens estão passando por uma fase de desespero e sentem como se estivesse perdendo a vida. É difícil concentrar e ficar em casa. Escuto no consultório: a senhora tem a vida feita, tenho 30 anos não posso ficar fechado”, conta a infectologista.

Além dos fatores externos e da pressão, os médicos ressaltam que existem pessoas que têm o perfil de não acreditar e de arriscar mais a vida. “Tem gente que nasceu assim. Não vai aceitar imposições e fazem o que elas acham que é certo”, fala Hinrichsen.

O especialista em psiquiatria ainda acrescenta: “Temos os dois extremos. Encontramos pessoas super rígidas e outras que não se importam com nenhuma prevenção. E isso tem muito a ver com uma personalidade voltada para o risco. As pessoas não têm muito receio e acabam se colocando mais em situações de perigo. Pode significar pessoas mais arrojadas, ou que não obedecem às regras e estamos com os números de hoje”, afirma.

Mesmo respeitando a individualidade e a saúde de cada um, o cumprimento das restrições é fundamental para que os números de transmissão regridam no Brasil.

“Infelizmente, o que nos protege da covid é o fator que diminui nossa saúde mental. Mas teremos de suportar um pouco mais. Muitos comparam a pandemia com a guerra. Só quando acaba nos damos conta do tempo que levou e o estrago que fez. Não estão destruindo edifícios, mas machucando muito as pessoas”, afirma Scocca.