Algumas razões explicam a diferença: reserva de segunda dose, perdas já previstas e demora no registro de quem foi vacinado


Enquanto o Ministério da Saúde afirma ter distribuído a estados e municípios, desde 18 de janeiro, mais de 43 milhões de doses de vacinas contra covid-19, somente cerca de 18,9 milhões foram aplicadas na população.

O vacinômetro do R7 mostra que, até esta sexta-feira (2), 15,7 milhões de pessoas receberam pelo menos a primeira dose da vacina, e 3,2 milhões já tomaram a segunda.

O governo afirma que o quantitativo é suficiente para imunizar 24,4 milhões de brasileiros, número ainda muito acima do observado hoje.

A diferença entre doses já aplicadas e as distribuídas é de 24,1 milhões.

A ex-coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações) Carla Domingues explica que não há nada de errado em haver números divergentes.

"Não é em tempo real. Não é que a vacina vai sair do ministério um dia e no outro estar no braço do cidadão. Nós temos um país continental, com municípios onde você só chega de barco, de helicóptero. E tem também a distribuição fracionada [dos lotes], que dificulta todo o processo."

Para ela, o Brasil está avançando para o ritmo de vacinação desejado.

"A gente critica quando precisa criticar, mas neste momento temos que elogiar. As coisas estão entrando nos eixos."

Na quinta-feira (1º), o Brasil atingiu a marca de 1 milhão de pessoas vacinadas contra covid-19 em um único dia, patamar que é possível de ser mantido, segundo especialistas, pela expertise que o SUS tem em programas de imunização.

Reserva de vacinas
O presidente do Fórum de Governadores, Wellington Dias (PT-PI), atribuiu a discrepância ao fato de muitos estados e municípios estarem reservando a segunda dose, além de haver estoques de segurança.

A decisão dos governadores de estocar doses contraria autorização do Ministério da Saúde para que todo o quantitativo disponível seja usado.

A ex-coordenadora do PNI esclarece que não houve uma liberação para usar todo o estoque. 

"Agora, que estão chegando doses a toda semana, o que o ministério disse é que não precisa mais guardar aqueles 50% da segunda dose, mas não pode usar todas as que chegarem [para primeira aplicação], porque vai ter gente que vai tomar a segunda dose naquela semana. A impressão que está dando é que o ministério abriu mão de usar a segunda dose, isto não é correto. Sempre tem que observar o número de pessoas que vão chegar na semana para tomar a segunda dose",

O ministério entende que já há um horizonte de segurança em relação às próximas entregas, mais por parte do Instituto Butantan do que da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Demora para contabilizar
A médica Mônica Levi, presidente da Comissão de Revisão de Calendários Vacinais da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), explica que pode estar havendo atraso no registro de pessoas vacinadas pela especificidade de cada local.

"Tem municípios que são altamente informatizados, na hora que aplica passa um código de barras e já entra automaticamente no sistema. Tem outros que fazem isso depois, pega um dia ou dois e alguém vai passando para o sistema. Mas tem registros que são manuais, não tem nem internet."

Desta forma, pode haver mais pessoas vacinadas na prática do que os painéis do governo e estados estão exibindo.

Perdas de doses
A representante da SBIm também pontua outra causa que pode estar relacionada à diferença entre doses distribuídas e aplicadas: as perdas.

Mônica acrescenta que em torno de 5% do total de vacinas distribuídas são perdidos, seja por extravio, problemas no transporte, armazenamento ou até mesmo na hora de extrair do frasco, que é multidose.

Números desencontrados
A própria plataforma LocalizaSUS, do Ministério da Saúde, apresenta números diferentes dos que foram informados pela pasta em comunicado à imprensa ontem.

Segundo a nota, foram enviados 43 milhões de doses às unidades da federação, das quais "mais de 18,5 milhões já foram aplicadas". A plataforma aponta, no entanto, 41,1 milhões de doses distribuídas e 20,4 milhões de doses aplicadas.

Um número ainda mais divergente foi mostrado por Wellington Dias na quinta-feira. Segundo ele, chegaram aos estados 34 milhões de vacinas, sendo que 16,9 milhões foram aplicadas na primeira dose e 5,2 milhões, na segunda, o que indica em torno de 11,7 milhões de pessoas.

*Com informações da agência Reuters