Política
No 4º ano de mandato, governo tenta deslanchar programa de privatizações
Além de Eletrobras, duas companhias portuárias e os Correios estão no plano de desestatização de Bolsonaro para 2022
BATANEWS/ESTADãO
O governo Bolsonaro chega ao último ano do mandato sem ter privatizado uma única estatal, apesar da promessa de se desfazer de 17 empresas, feita em 2019. As apostas foram renovadas para 2022, em pleno ano eleitoral, com sete empresas na lista, quatro delas de peso: a Eletrobras, duas companhias do setor portuário – entre elas a que administra o Porto de Santos, o maior da América Latina – e os Correios.
A venda da estatal de correspondências ainda é contabilizada no cronograma, apesar de o avanço ser visto com cada vez mais cautela, já que o projeto de lei que abre caminho para o leilão da empresa emperrou no Senado. As demais vendas também são olhadas com desconfiança pelo mercado, em razão das eleições. Como mostrou o Estadão, nem o Congresso confia na privatização da Eletrobras, focada em transmissão e geração de energia, tanto é que não colocou a previsão de receitas da operação para o Tesouro Nacional no Orçamento de 2022.
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O Ministério da Economia também espera em 2022 privatizar a Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas), a praça de Minas Gerais da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a Empresa de Trens Urbanos (Trensurb) de Porto Alegre.
As previsões são dadas pelo secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, em entrevista ao Estadão/Broadcast. No posto desde agosto de 2020, Mac assumiu após a saída do empresário Salim Mattar, que deixou o governo por estar insatisfeito com o ritmo das privatizações.
Assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes, o secretário classifica as críticas à agenda de desestatização como parte de uma “narrativa política”. Mas, enquanto o chefe costuma terceirizar a responsabilidade pela demora nas vendas, Mac Cord reconhece fragilidades internas do Executivo em tocar essa pauta. Segundo ele, o governo não tinha mais expertise para realizar privatizações e precisou reconquistá-la. A última venda de estatal federal foi da Embratel, em 1998, lembrou Mac Cord.
“Não havia estrutura interna para fazer isso, memória. Tivemos de reconquistar esse conhecimento dentro do governo”, disse. A ala tucana de oposição ao governo Bolsonaro costuma rivalizar o avanço tímido da atual administração com as privatizações em série feitas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Hoje tem uma série de limitações e governança que não havia na década de 90, esses ritos todos do Tribunal de Contas da União (TCU)”, justificou Mac Cord.
Para o secretário, 2022 será o ano das grandes privatizações. No mercado, porém, não há confiança de que todas sairão neste ano. O risco está cotado principalmente para os ativos que deverão ser leiloados no segundo semestre, marcado pelo pleito eleitoral, como é o caso do Porto de Santos.
Sócio-diretor da UNA Partners, o economista Daniel Keller considera difícil que a capitalização da Eletrobras se concretize em 2022, em razão da complexidade da operação e das arestas que o governo ainda precisa aparar. “De novo, vem a agenda política, que está começando forte com quem quer se candidatar já se colocando (contra as privatizações)”, disse Keller.
Mac Cord rebate a avaliação de que o pleito eleitoral representa um empecilho às desestatizações. Para ele, o volume de investimentos previstos nos projetos é um fator que atrai apoio às vendas. A privatização do Porto de Santos, por exemplo, promete movimentar R$ 16 bilhões. Para o sócio-diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), Mauricio Lima o volume de investimentos previstos nos empreendimentos pode ajudar a vencer resistências.
Mac Cord defende que houve uma “mudança grande de rota”, com a aprovação de marcos legais no Congresso, como do saneamento, das ferrovias, da cabotagem e do gás. “Para um próximo governo, a ferramenta está pronta”, disse o secretário.
BRASÍLIA - O governo federal vai estrear, no último ano de mandato de Jair Bolsonaro, o processo de privatização de portos públicos – prática inédita na história do País. Entre duas desestatizações e duas concessões, a previsão é de contratar cerca de R$ 20 bilhões em investimentos.
Grande parte, R$ 16 bilhões, será direcionada na venda do maior complexo portuário da América Latina, o Porto de Santos. O ineditismo e a complexidade das operações, principalmente em Santos, geram dúvidas quanto à capacidade do governo entregar essas privatizações em ano eleitoral. No Ministério da Infraestrutura, no entanto, a visão é de que as resistências, “naturais”, não devem atrapalhar a agenda da pasta. O objetivo é leiloar o Porto de Santos no segundo semestre de 2022.
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'Projeto de desestatização sempre gera uma série de resistências. Faz parte do jogo. Isso não foi razão para obstrução do processo da Codesa”, afirmou o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni. “Para Santos, por ser um porto com representatividade maior, possivelmente tenhamos resistência ainda maior, mas acho que estamos com essa questão da temperatura sob controle. Resistências serão vencidas uma a uma com diálogo', disse.
Uma das seguranças que o governo tem com a venda do Porto de Santos foi ter dado a largada das privatizações portuárias com a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), que administra os portos organizados de Vitória e Barra do Riacho e será leiloada no primeiro semestre do ano, em modelo praticamente igual ao de Santos. No caso da Codesa, o processo já foi liberado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Vários evoluções absorvidas nos estudos da companhia capixaba serão aplicadas para o caso de Santos.
Entre os avanços, Piloni destaca a resposta ao temor da classe empresarial quanto aos contratos de arrendamento, que são assinados entre poder público e companhias que operam terminais nos portos. A segurança jurídica desses negócios, uma vez que o privado assumirá o lugar do poder concedente, era um ponto de atenção. Segundo o secretário, melhorias no modelo foram implementadas durante a consulta pública da Codesa, a ponto de o TCU chegar à conclusão de que não há necessidade de mais ajustes.
O debate sobre a privatização dos portos também gerou receio entre usuários quanto à possibilidade de elevação de tarifas para quem usa as instalações portuárias. Para o secretário, esse é outro ponto pacificado, já que as modelagens da Codesa e do Porto de Santos contam com uma diminuição no valor de tarifas em relação ao que é praticado hoje.
Em Santos, por exemplo, a perspectiva é de que haja uma redução média de tarifa de 30%. Segundo ele, dois fatores permitem esse movimento: a otimização da empresa a partir do modelo de gestão privada; e os incentivos para que a concessionária busque ampliar as receitas com base no aumento da exploração de áreas do porto, e não com aumento de tarifa.
Com os R$ 16 bilhões de investimentos cotados para o porto, o ministério prevê, no médio prazo, o aprofundamento do canal para 17 metros, o que possibilitará a entrada de navios de 400 metros em Santos. 'Isso, atrelado a outras iniciativas, como remodelação das linhas ferroviárias no porto e investimentos em contratos de arrendamento, permite que Santos possa superar expectativas de movimentar 240 milhões de toneladas de carga em 2040', disse o secretário.
Além das duas privatizações, o Ministério também planeja, para este ano, promover as concessões do Porto de São Sebastião (SP) e do Porto de Itajaí (SC).
Para vender o Porto de Santos, o governo definiu regras – e estuda mais opções – para evitar o abuso de poder econômico na nova administração. A variedade de operadores e de cargas movimentadas no complexo portuário impõe a necessidade de um modelo que mitigue riscos de conflito de interesse entre as companhias que comandam terminais dentro do porto e a futura administradora deste 'condomínio'.
Por isso, o governo ampliou o rol de empresas que terão restrições na disputa, em relação ao que foi definido para a privatização da Codesa. Nela, a regra é que operadores do porto ou do Estado do Espírito Santo não poderão participar da futura concessionária com mais de 15% individualmente ou de 40% em conjunto. Para Santos, além da restrição dirigida aos operadores, a limitação também vai afetar armadores e concessionárias de ferrovias que atuam dentro do porto. Já os percentuais se mantêm.
'Essa é a versão que vai para a consulta pública. Obviamente queremos ouvir o que se pensa sobre isso. Mas antevimos que isso pode ser um mecanismo importante de mitigação de potenciais conflitos de interesse', afirmou Piloni. Segundo ele, a consulta pública será aberta neste mês de janeiro.
O governo também estuda outro mecanismo para evitar concentração de atividades no porto, mas ainda não tem uma posição fechada sobre a ferramenta. O que está em avaliação é uma limitação de concentração de mercado para empresas que atuam no local. A regra deve considerar peculiaridades de segmentos específicos, principalmente considerando que Santos é um porto multicargas, disse Piloni. O secretário ressaltou, no entanto, que a regra ainda está em fase de avaliação dentro do ministério.