Mercado já prevê Selic a 12,25% e fim de alta de juros só em maio após ata do BC

Com mudança de tom do Copom, instituições financeiras revisaram para cima a previsão para a taxa básica de juros no ano; para o Banco Central, projetos como a PEC dos Combustíveis podem afetar as contas públicas

ESTADãO


Banco Central disse que aperto no ajuste monetário não significa o encerramento da alta do ciclo de juros. Marcello Casal Jr./Agência Brasil

BRASÍLIA - O Banco Central indicou ontem, na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) realizada na semana passada, que o aumento da Selic será maior do que o esperado pelo mercado e que não deve terminar em março. O documento alertou ainda para o risco de uma alta ainda maior da inflação com projetos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que desonera os combustíveis, em negociação entre governo e Congresso.

Na semana passada, o Copom elevou a Selic em 1,50 ponto porcentual, de 9,25% para 10,75% ao ano, a oitava alta seguida. Na ocasião, o BC chegou a sinalizar uma redução do ritmo de aperto monetário no seu próximo encontro, em março. 

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No entanto, o tom mais duro da ata fez disparar uma corrida de revisões pelas instituições financeiras, com a estimativa feita pela maioria dos economistas de uma Selic subindo de 11,75% para 12,25% até maio, quando a perspectiva é de que haja o fim do ciclo de aperto monetário, segundo pesquisa do Projeções Broadcast. 

Na ata, o BC apontou, sem citar nenhuma iniciativa específica, que uma redução de impostos sobre combustíveis e energia pode ter efeito contrário ao desejado. “O Comitê nota que, mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo, podem causar (...) aumento das expectativas de inflação”, destacou o BC no documento.

Hoje, existem em discussão três propostas para mudar a tributação dos combustíveis. Uma do Senado, que, além de reduzir os tributos sobre combustíveis, cria um vale-diesel para caminhoneiros, dá subsídio para tarifas de ônibus e amplia o vale-gás. O impacto total, segundo integrantes da equipe econômica, supera R$ 100 bilhões. Já o custo da proposta negociada na Câmara, que prevê a redução de impostos sobre combustíveis em 2022 e 2023, seria de R$ 50 bilhões. A equipe econômica defende só a desoneração sobre o diesel, com impacto entre R$ 17 bilhões e R$ 18 bilhões.

No documento, o BC afirmou ainda que a intenção do colegiado em reduzir o ritmo de ajuste monetário a partir de março não significa encerrar o ciclo de aumento de juros no próximo encontro. O BC citou, explicitamente, “ajustes adicionais”, sem revelar, entretanto, a magnitude desses movimentos à frente, para lidar com as incertezas do cenário.

Após a divulgação do documento, instituições financeiras como JP Morgan, Barclays e Itaú Unibanco revisaram suas projeções para a Selic no fim do ciclo de alta. 

“A ata da última reunião do Copom indica que as autoridades vislumbram um ritmo mais lento de elevação da taxa Selic à frente, mas sem uma pausa iminente”, avaliou o economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, em relatório que comunicou a revisão da estimativa do banco, de 11,75% para 12,50%. /COLABORARAM CÍCERO COTRIM E MARIANNA GUALTER

Desde a quebra da regra do teto de gastos no ano passado, o Banco Central acertadamente começou a acelerar a alta de juros. Com os riscos advindos do descaso fiscal do governo, não restava para um BC isolado fazer o que tem feito. Mas o governo insiste em abrir sua caixa de maldades às avessas com a recente discussão sobre a PEC dos Combustíveis. 

A sinalização é clara de que o pouco que havia de preocupação fiscal foi-se embora, e cada vez mais isto acontece de mãos dadas entre o presidente e o Congresso. Esperar algum alívio do Ministério da Economia não é possível depois da anuência do que aconteceu no ano passado. Ao sancionar a sanha eleitoral do presidente, Guedes entrou em uma nova armadilha da qual se mostra incapaz de sair, ou mesmo se deseja sair.

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De qualquer maneira, o recado do BC é de preocupação com um governo emparedado eleitoralmente e que já deu sinais explícitos de que fará o que for possível para tentar agradar ao eleitor. Como tem sido nossa sina, o agrado de curto prazo tem vida curta e o BC sinaliza estar atento à continuidade dos desmandos fiscais que trarão consequências negativas certas.

Nosso dilema é que tais medidas são sinais do que será possível ver nos próximos anos. A atual discussão dos combustíveis seria alegremente encampada em uma eventual volta de Lula ao governo. A tarefa do BC seguirá sendo árdua e, vê-se, cada vez mais isolada: neste governo com certeza, e com grandes chances de no próximo também, caso o cenário eleitoral não mude. Sendo isto verdade, não restará outra opção ao BC que continuar subindo os juros.

A ata indicou, mesmo não explicitamente, que é provável que a Selic vá para mais de 12%. Essa conta tem um peso grande nas costas do próprio governo, mas o aprendizado do que aconteceu no ano passado não ocorreu e, de forma realista, custo a acreditar que acontecerá tão cedo.

*ECONOMISTA-CHEFE DA MB ASSOCIADOS