Burnout de mães: por que as mulheres se sentem exaustas na maternidade? - Saúde - Estadão

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Nana Queiroz teve um burnout em 2019 e aprendeu a fazer uma lista de tarefas e descartar as menos importantes Marcelo Chello/Estadão

Quando o seu filho Antonio nasceu, em 2012, Bel Junqueira, na época com 27 anos, se sentia potente. “Eu era uma mãe leoa, que achava que daria conta de tudo sozinha.” Mas, ao passar do tempo, percebeu-se sobrecarregada e solitária nas tarefas e alvo de julgamentos da família. Na sua rotina, não havia espaço para o lazer e as dificuldades para conciliar o trabalho de mãe com o de fotógrafa autônoma eram grandes. “Eu não sabia que seria tão difícil e percebi que havia algo errado comigo. Eu estava infeliz e exausta.” 

Em 2017, procurou uma psiquiatra, que avaliou que ela estava com burnout materno, síndrome caracterizada pelo esgotamento físico e/ou mental da mãe. “Ela recomendou que eu pedisse ajuda para cuidar do meu filho, encarasse a maternidade de forma mais leve e prescreveu um medicamento antidepressivo”, conta. Seis anos depois, Bel não se sente mais exausta. “Consigo me acolher. Digo para mim mesma: hoje eu dei o meu melhor.”

Apesar de ser reconhecido por psicólogos e psiquiatras, embora não por todos, o burnout materno não é considerado uma doença mental, mas um agrupamento de sintomas. O termo, que ganhou popularidade nos últimos anos, foi criado por associação ao burnout, síndrome provocada pelo estresse crônico no trabalho, uma doença ocupacional. 

“A sobrecarga de tarefas de cuidado exercidas pela mãe, que são invisibilizadas e sem pausa, podem custar a sua saúde, que entra em colapso. Geralmente acontece com mulheres que se exigem ou são pressionadas a dar conta de tudo, mas não tem com quem dividir essas tarefas”, diz a psicóloga perinatal Juliana Tfauni. Segundo ela, a irritabilidade e a perda de prazer no cuidado dos filhos são alguns dos sintomas do burnout maternossoas ao redor. 

A esse quadro podem se somar transtornos como a depressão e a ansiedade generalizada. Uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP- USP), em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, apontou que 63% das mães entrevistadas demonstravam sintomas depressivos durante a pandemia devido à sobrecarga de funções.

Sem ajuda nos cuidados do filho, Fernanda Urbano, de 29 anos, chegou ao ponto de não conseguir levantar da cama por exaustão, no ano passado.

“Eu estava muito cansada, com dores no corpo e não conseguia dormir à noite. Dava 200% do meu tempo para o meu filho e me esquecia de mim. Parecia que nunca o esforço era suficiente”, conta. Em vez de receber ajuda, foi alvo de críticas de familiares. “Eles perguntavam por que eu estava cansada se não fazia nada o dia inteiro.”

Do pai da criança, o apoio era quase nulo, o que levou à separação do casal. “Ele só ajudava se eu pedisse muito.” Por recomendação da pediatra do filho, Fernanda buscou uma psiquiatra, que identificou o burnout materno. A síndrome desencadeou uma depressão, que por sua vez, levou a uma fibromialgia. “Ela me deu um medicamento, indicou um psicólogo e pediu para que eu encontrasse formas de descansar.” 

Desde então, Fernanda priorizou a sua saúde: faz caminhadas todos os dias com o filho de 2 anos e vai para a academia duas vezes por semana. Não se sente mais sobrecarregada. “Hoje sei que preciso de um tempo para mim e isso não é egoísmo.” Faz psicoterapia, não se culpa quando as coisas saem do controle, dispensou os perfis de 'mães perfeitas' no Instagram e ignora os familiares que a acusam de ser “mole”.

A mulher que está sofrendo de burnout materno ouve com frequência, da própria mãe ou de outras mulheres mais velhas, que ela dava conta de tudo sem reclamar, segundo a psiquiatra Patrícia Pipper. “As pessoas de outras gerações precisam entender que o cenário mudou nos últimos anos. Antes havia uma rede familiar de apoio mais estruturada e as mulheres não ocupavam o mercado de trabalho como hoje. Além disso, a maternidade hoje não é vista como o único lugar de realização da mulher”, diz. 

Para se ter uma ideia da carga horária das mães, um estudo com mulheres norte-americanas calculou que as mães trabalham em média 98 horas por semana, mais que o dobro que o expediente de um emprego formal. A psiquiatra Patrícia observa que se atribui à mulher o papel de quem desempenha todo o cuidado em nome do amor. “Espera-se que ela cuide de toda gestão que envolve o filho, o que é extenuante. Obviamente, as mães falham nessa tarefa, quando lhes recai a culpa, pois associam a falha à falta de amor ou a ser uma mãe ‘ruim’.” 

Segundo a psiquiatra, o burnout materno é um reflexo social. “As mães estão adoecendo por conta da solidão, do desamparo e da fragilização dos vínculos humanos, além da rigidez dos papéis de gênero”, diz Patrícia. Ela explica que, por isso, o tratamento não inclui necessariamente medicamentos, mas mudanças na dinâmica da família como um todo e dos laços sociais de apoio, como creche e outros ambientes. 

Para fomentar discussões na sociedade sobre a saúde mental materna, Patrícia criou o movimento Maio Furta-cor. “O problema não se resolve dentro dos consultórios, mas mudando a cultura acerca da maternidade e dos papéis de gênero”, diz. Neste sentido, políticas públicas são essenciais, defende Patrícia. “Precisamos de creches de qualidade, segurança alimentar, seguridade social e licença paternidade e maternidade mais condizentes com a constituição da parentalidade.”

Para avaliar se uma paciente tem burnout materno, a psiquiatra Patrícia leva em conta o histórico de saúde mental, os arranjos familiares e os acordos sobre o cuidado da família, assim como o contexto social e o suporte que essa mãe tem ou lhe falta. Ela solicita exames de laboratório apenas quando há queixas de sintomas físicos, para descartar anemia, doenças de tireoide e falta de vitaminas.

“Na saúde física é possível notar queda dos cabelos, emagrecimento ou ganho de peso, alterações no sono. Emocionalmente, essas mulheres sentem irritabilidade, por vezes agressividade, permeado por tristeza, sintomas ansiosos e isso tudo vai minando a maternidade e a relação com o bebê.”

O burnout materno vitimiza também as crianças das mães que sofrem da síndrome, observa a psicóloga Josie Zecchinelli, fundadora do Instituto Maternidade Consciente, que capacita profissionais de saúde para dar assistência a mães e famílias. “Numa situação de exaustão, o corpo entra no modo sobrevivência. Isso acarreta um prejuízo no desenvolvimento da criança e na relação entre mãe e filho, pois há um distanciamento emocional não consciente, por conta da perda de prazer dos cuidados maternos.”

Segundo a psicóloga, estudos mostram que o burnout materno aumenta os níveis de negligência e violência física e verbal contra a criança. “Dentro da realidade de cada mãe, é preciso pensar em caminhos múltiplos para trazer alívio para ela, lembrando que a sobrecarga não é um problema individual, mas social, cultural e familiar.”

A dificuldade de conciliar a maternidade com a vida profissional levou a escritora Nana Queiroz, de 36 anos, ao burnout materno em 2019. “Sentia que estava em dívida com o meu filho, sempre falhando, então não me permitia dormir ou descansar. Quando ele dormia, minha mente entrava em turbilhão. Dava uma sensação de falta de ar”, descreve. Ela voltou a trabalhar quando o filho tinha cinco meses e se alimentava exclusivamente da amamentação. “Ele era apegado a mim, mas eu queria aumentar minha produtividade no trabalho para mostrar que não devia nada como profissional por ser mãe.” 

Até que Nana teve uma pane: na mesa de trabalho, não conseguia mais nem ler seus e-mails e não parava de chorar. Foi ao psiquiatra, que identificou o burnout materno e prescreveu 20 dias de licença do trabalho, além de um medicamento. “Tive uma sensação de fracasso.” 

Mas com o acolhimento da família, dos amigos e da empresa, Nana pôde conciliar os dois papéis. Um colega mais experiente ofereceu a ela uma mentoria, para ajudá-la a fazer uma lista de tarefas e descartar as menos importantes. “Eles sugeriram que eu fizesse pausas para dormir depois do almoço. Percebi que trabalhar uma hora descansada era melhor do que duas horas morrendo de sono.” As mudanças fizeram diferença: depois de alguns meses, Nana foi promovida e criou coragem para ter o segundo filho. “Aprendi a lidar com tudo isso. Essa cura coletiva foi boa para todos os envolvidos.”

Mas, de forma geral, o mercado de trabalho é cruel com as mães brasileiras: após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses após a licença, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2016. A maior parte das saídas do mercado de trabalho das mães se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Uma maior participação do marido no cuidado dos filhos e da casa também contribuiu para a qualidade de vida de Nana. “A divisão de tarefas era um problema. Eu achava delicado chamar a pessoa que amo para essa conversa difícil. Então resolvemos fazer algumas sessões de psicoterapia de casal. Não precisei mais ser a gerentona da casa, que tinha que pedir para ele as coisas.” Em seu livro Os Meninos São a Cura do Machismo, Nana sugere às mães que mostrem para toda a família que a felicidade delas importa. “De maneira amorosa, explico para eles que não são o centro de tudo. Uma mãe feliz é uma lição de feminismo para as crianças.”

Quando o pai da criança não é tão participativo nas tarefas do cuidado e do lar, um bom caminhos para a mulher é dizer abertamente o que sente, em vez de delegar as tarefas, segundo Cássia Cardoso Pires, psicóloga clínica que atende individualmente ou em casal. “Desta forma, a conversa tem mais chance de dar certo, pois a outra pessoa se compromete a fazer algo, sem imposição”, explica.

Uma das autoras do livro Pais!!! Onde Foi Que Acertei? Uma Conversa Entre Psicólogas e Pais, Cássia sugere que a família tenha criatividade para fazer as tarefas da casa de forma lúdica, pois com a exaustão tudo vira obrigação e deixa de ser prazeroso.

Ter uma expectativa realista do comportamento de um bebê ajuda os casais a evitarem a hipervigilância e a frustração, que podem levar ao burnout parental, explica o pediatra especializado em neonatologia Carlos Eduardo Correia, o Cacá. “Os pais ficam excessivamente vigilantes e perdem a confiança em sua capacidade de cuidado com o bebê quando não percebem que o choro dele é uma comunicação, não um problema físico ou consequência de algum erro dos pais. O choro não deve ser considerado um indicador de qualidade do cuidado.”

Em sua experiência de mediação de grupos apoio a pais, o pediatra percebeu que a sensação de inexperiência e insegurança masculina diante do bebê leva muitos homens a assumirem a figura do pai ausente. “Do ponto de vista do homem, o sentimento é de impotência. Eles comentam que ao segurar o bebê ficam com medo de quebrar o pescoço, por exemplo, e fazem tudo errado. Mas é importante que o homem cave esse espaço de pertencimento, que é cuidar tanto do bebê como da mãe.” 

Uma licença paternal mais longa também contribuiria para formar mais pais potentes e desconstruídos. “Falta um ambiente social que permita que eles se relacionem entre si a respeito desse assunto, algo que ainda traz dificuldade aqui no Brasil. É uma política pública que promove uma transformação social, observada nos países que adotaram a licença paternal estendida”, diz o pediatra.

Lavar roupa, cozinhar, dar banho, brincar, levar à escola – e muito mais. Embora seja responsável por 90% dos cuidados com o filho de 4 anos e das tarefas domésticas, a personal stylist Naiana Branchini, 39 anos, dá um jeito de deixar o filho com a sua mãe, a cada dois meses, e pegar um “vale fim de semana” para curtir uma festa ou um passeio. Dessa forma, busca alívio para a exaustão.

“Gosto de buscar outras atividades prazerosas fora do universo materno, que me tragam energia para a vida e ajudem a manter a saúde mental”, diz. No dia a dia, ela faz psicoterapia e acorda mais cedo que o filho para fazer alguma aula de ginástica dentro de casa. “Olho para mim e busco soluções simples para me sentir bem, como ler um livro.”

Além do lazer, Naiana valoriza a sua vida profissional. “Gosto do meu trabalho, de criar e estar envolvida nos projetos. Sei que é importante não se anular. Mas há um conflito entre o maternar e os desejos pessoais, que muitas vezes acabam sendo abandonados por conta dessa sobrecarga.”

Essa busca pelo tempo para si, mesmo em condições desafiadoras, é essencial para as mães, reforça Thais Villarinho, mãe de dois meninos, de 9 e de 12 anos, autora do livro e peça teatral Mãe Fora da Caixa. No seu perfil do Instagram, Thais recebe diariamente relatos de mães que dizem estar exaustas. Mulheres de todas as classes sociais reclamam da carga mental, a preocupação de planejar, administrar e executar tudo que se refere aos cuidados dos filhos e da casa.

“Chegam mensagens de situações tristes, de mulheres que ficam só em casa cuidando de tudo enquanto o companheiro sai para beber. Mas, apesar dessa realidade, vejo que há mães que dão um jeito de cavar um tempo para si: elas largam a casa do jeito que está, pedem para a vizinha olhar o bebê e saem para pegar um sol, para dar uma volta.”

Para aliviar a pressão de cuidar de seus cinco filhos sem a ajuda dos respectivos pais, Lorraine Alves Menezes, de 33 anos, procura fazer cursos e jogar conversa fora com outras mães. “Fiz um curso de panificação que foi ótimo para ocupar a mente.” A única ajuda financeira que ela recebe é do pai do filho mais novo, de 10 meses. 

A condição de Lorraine não é incomum: o Brasil tem mais de 11 milhões de mães solo, que assumem as responsabilidades financeiras e afetivas dos filhos, sem contar com o apoio do pai da criança, segundo dados de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para sustentar os demais, conta com o Auxílio Brasil, de R$ 600 mensais, com o salário da filha mais velha, de 17 anos, e com o dinheiro que ganha com os bicos de faxina que consegue esporadicamente. 

Por conta do aperto financeiro, muitas vezes Lorraine perde o sono. “Fico preocupada com as contas, especialmente com o aluguel da casa”, diz. E no dia seguinte, precisa estar de pé para preparar mamadeiras e levar as crianças para escola – neste intervalo, ela corre para arrumar a casa, cozinhar, lavar as roupas, para sobrarem 30 minutos para uma soneca ou descanso. “Me sinto com cansaço físico e irritada. Qualquer coisa me tira do sério”, diz. Além de contar com a escola, Lorraine tem a ajuda da avó do filho mais novo para os cuidados dele, duas vezes por semana. 

As tarefas relacionadas ao cuidado, exercidas principalmente por mães, são um trabalho não remunerado, uma realidade que conflita com a fantasia criada na gravidez, observa a psicóloga Rafaela Schiavo, fundadora do Instituto Mater Online. “O burnout materno pode surgir quando a maternidade real não condiz com a idealizada”, diz. 

Ter uma boa rede de apoio é um fator de proteção para os pais, mas atualmente há um afastamento da “aldeia” que antes ajudava no cuidado das crianças, explica a psicóloga. “Antes a tia, a avó, a vizinha ajudavam. Hoje as famílias estão isoladas nos apartamentos e os familiares estão distantes. Ninguém consegue ajudar a pegar a criança na escola. O resultado é que a mulher assume essas tarefas e não tem tempo para dormir, pentear o cabelo, viver.”

Por conta da romantização da maternidade, as mães têm vergonha de admitir que estão exaustas. Por isso, os grupos de apoio voltados a elas são importantes, na visão de Christelle Maillet, 41 anos, criadora do Mães com Humores, um canal voltado à saúde mental materna. Ela é mediadora dos grupos de apoio gratuitos, voltados a mães e futuras mães com depressão ou transtorno bipolar – fatores de risco para desenvolver burnout materno. 

“Acolhemos as mães que relatam suas dificuldades e que podem estar à beira do burnout materno por meio da escuta empática, de palavras acolhedoras e da troca de experiência e de dicas que mostram que ela não está sozinha”, diz Christelle.