Policial
Não desfaça amizades por causa da política - gerar a divisão é exatamente o que o estado quer
As vantagens de deixar as discordâncias políticas fora das relações pessoais
BATANEWS/REDAçãO
Conheço várias pessoas, até então amigas entre si, que estão entrando em brigas no Facebook, em guerra no Twitter, em discussões no Instagram, e em rixas no Snapchat. Aquilo que começa como uma desavença ideológica termina em amargura e rancor. As pessoas estão provocando umas às outras, exigindo que aquelas que têm uma posição política contrária à sua saiam de suas redes sociais. Algumas até mesmo cortam relações totais com amigos e familiares. E tudo por causa de diferenças políticas.
Fico até pensando em como será o natal dessas famílias.
Para deixar claro, a filosofia política de fato importa e, consequentemente, a política em si é algo que afeta a vida de todos. No entanto, a briga partidária pelo controle temporário do aparato estatal é menos importante do que as contendas eleitorais nos fazem crer. Você pode estar sendo facilmente manipulado por políticos, ideólogos e intelectuais, e amizades e a família são coisas preciosas demais para ser descartadas por razões temporárias.
É lamentável que a política cause divisões permanentes, e de uma maneira tão desnecessária. As pessoas que rearranjam suas relações pessoais de acordo com a política imaginam que estão assumindo em definitivo o controle de suas vidas; o que elas aparentemente não percebem é que estão, na prática, deixando que estranhos controlem suas vidas, estranhos que não se importam absolutamente nada com elas.
A política é um sistema que busca dividir as pessoas para mais facilmente dominá-las. Divide et impera sempre foi o lema da política e dos políticos. Permitir que a política fundamentalmente influencie algo tão importante quanto a amizade e a família significa conceder a vitória efetiva aos políticos. Significa dar a eles muito mais importância do que eles merecem.
Trollagem e banimento
Agora, é claro que é necessário levar em conta um pré-requisito. Se há alguém em sua rede social deliberadamente trollando você, lhe perturbando e continuamente enviando links de sites que você despreza, então a melhor resposta é simplesmente bloquear essa pessoa. Não responder. Não entrar em discussões improdutivas. Simplesmente bloqueie, calmamente, sem dramas e anúncios espalhafatosos. Muito menos faça qualquer denúncia.
A maioria das pessoas que eu conheço já bloqueou mais de cem pessoas ao longo dos últimos meses, insufladas pelas batalhas políticas e ideológicas que vêm sendo travadas pela direita e pela esquerda nas redes sociais, cada uma em defesa de seus políticos de estimação. Simplesmente bloquear é uma reação muito mais sensata do que confrontar, o que levaria a infindáveis e amargas discussões. E não há nada mais improdutivo e exaustivo do que intermináveis discussões na internet. Pessoas que querem arrastar você para esse meio de fato merecem uma exclusão do seu círculo de conversação.
Mas, excetuando-se esses casos extremos, vejo como uma atitude sem sentido expulsar alguém da sua vida só por causa de diferenças políticas.
Primeiro, ao se isolar e negar a si mesmo acesso a diferentes pontos de vista, você corre o risco de se isolar de um crítico que pode ensinar a você algo que você ainda não sabe. Pode ser sobre qualquer coisa da vida, mas talvez até mesmo sobre política. Fechar a porta para eventuais informações importantes não é uma atitude sensata.
Segundo, conversar com pessoas com opiniões opostas é uma boa maneira de você treinar a manter a calma, a raciocinar rápido, a falar com fluência e segurança, e a conversar de maneira civil e cortês, sempre se direcionando ao interlocutor de uma maneira que possa realmente persuadi-lo.
Terceiro, e mais importante, isolar-se de tudo e todos, odiar os outros por suas visões políticas, e considerar que pessoas com diferentes pontos de vista sejam menos merecedoras de um tratamento digno é exatamente o tipo de atitude que o sistema político quer que você tenha.
Mas os outros não são os agressores?
Um contra-argumento a esse meu ponto foi feito por um amigo meu ano passado. Sendo ele também um libertário, ele considera que qualquer pessoa que defenda qualquer medida governamental, mesmo que só casualmente, sem pensar mais profundamente no tema, é uma defensora da agressão estatal. Afinal, qualquer coisa que o governo faz só pode ser feita, em última instância, por meio da tributação da renda (uma agressão à propriedade privada) e da restrição ao empreendedorismo.
Consequentemente, as únicas pessoas que esse meu amigo diz serem dignas de sua atenção são aquelas que seguem firmemente sua perspectiva anarcocapitalista e voluntarista. Quaisquer outras pessoas são consideradas por ele uma ameaça direta à sua vida e liberdade.
A mim isso parece ser excessivamente severo. A verdade é que as pessoas normais que defendem algum tipo de ação governamental não se consideram a si próprias como pessoas violentas. Elas apenas, e ingenuamente, acreditam estar defendendo algo que será bom para terceiros, talvez até mesmo melhorando a vida de todos.
Por exemplo, se uma pessoa defende mais gastos do governo com educação pública, ela acredita estar apenas defendendo políticas que serão boas para terceiros. Em sua mente, ela não está decretando guerra e incitando a violência contra a propriedade privada dos pagadores de impostos, que deverão ser obrigados a dar ainda mais dinheiro para financiar programas ineficientes. Se você simplesmente cortar relações com essa pessoa, como você poderá persuadi-la de que ela está errada?
E não são só os libertários que agem assim. Um ex-amigo meu, de esquerda, era um crente fervoroso na tese do aquecimento global. Eu não fazia a menor ideia de que ele pensava assim até o momento em que, enquanto tomávamos um café, o assunto surgiu. À época, apenas expressei algum ceticismo de que a ciência a esse respeito já estava solidamente comprovada e que o debate sobre causas e efeitos, soluções, custos e benefícios já estava encerrado. Eu realmente fui bastante comedido em meus comentários. No entanto, por algum motivo, eles foram o bastante para fazê-lo explodir de raiva. Ele disse que eu era um obscurantista que negava a ciência e um maluco apologista do capitalismo. Ele se levantou e foi embora. E foi isso.
Fiquei perplexo. Eu estava apenas discordando dele, de maneira bem cautelosa. No entanto, por algum motivo, ele genuinamente acreditava que qualquer um que discordasse dele era o responsável direto pela elevação do nível dos oceanos, pelo derretimento das calotas polares, e pela gradual desintegração do planeta.
Ele havia deixado que a política controlasse sua vida e até mesmo determinasse suas amizades. Como consequência, nós dois nos tornamos espiritualmente mais pobres em decorrência dessa amizade desfeita.
E considere o efeito tóxico que está sendo causado pelo crescimento da influência desta tal "política de identidade pessoal": as pessoas estão perdendo a capacidade de ver algum valor nas outras. Imagine como você me faria sentir se você acreditasse que a brancura da minha pele representa uma opressão e uma indelével mácula na ordem mundial? Não haveria nenhuma chance para qualquer tipo de interação civilizada. Afinal, eu não posso mudar minha raça. Da mesma forma, e se eu acreditasse que o fato de você ser negro, ou gay, ou ateu fosse a causa da destruição demográfica e cultural — como seria possível agir civilizadamente nesse contexto?
A imposição dessa política de identidade está gerando exatamente esse tipo de desavença irracional e de rixas supérfluas entre as pessoas. Exatamente o que o estado e seus defensores intelectuais querem.
Qual é o objetivo de uma amizade?
O que o libertário e o esquerdista acima mencionados não conseguiram perceber é que eles são culpados pelo mesmo erro: permitiram que a política invadisse e conduzisse suas vidas, determinando as condições para sua felicidade pessoal. Tão logo esse tipo de coisa começa a acontecer, não há como parar.
Deveria todo mundo concordar com cada ponto de sua ideologia para ser seu amigo? Deveria haver tolerância zero para a mais mínima diferença de idéias, de visões, de prioridades, de aplicações e de objetivos? Em outras palavras, deveriam todos os seus amigos acreditar exatamente em tudo aquilo que você acredita?
Se essa é a sua perspectiva, então não há muito sentido em ter uma amizade e conversar com alguém que tenha exatamente o mesmo ponto de vista que o seu em absolutamente todas as coisas. No mínimo, isso seria incrivelmente tedioso. Ficar em casa pensando na sua própria infalibilidade teria o mesmo efeito.
Pessoalmente, gosto de pensar em amizades da mesma maneira que penso em transações econômicas. Em termos de economia, bens e serviços não são transacionados sob uma perfeita condição de igualdade. A transação comercial ocorre exatamente porque ambos os lados acreditam que ficarão em melhor situação após a troca. É somente quando há expectativas desiguais que a transação se torna mutuamente recompensadora.
O mesmo é válido para a amizade. É necessário ouvir pontos de vista distintos. É sempre bom termos acesso ao que pensam os outros. Mesmo que não concordemos com nada do que dizem, ainda assim passamos a compreender as pessoas e o mundo de uma maneira mais completa quando ouvimos o que os outros têm a dizer — com sinceridade, cordialidade e honestidade. Em outras palavras, amizades desse tipo nos ajudam a ter uma mente aberta e nos mantêm humildes e sempre dispostos a aprender mais.
Políticos sempre irão trair você
Tampouco é uma boa ideia desfazer amizades por causa de opções político-partidárias. Políticos raramente mantêm uma mesma opinião sobre qualquer assunto ao longo de suas carreiras. Muito pelo contrário, aliás: essa gente se molda estritamente de acordo com as tendências da opinião popular. Quando a maioria da população clama por mais estado, políticos adotam um discurso mais intervencionista. Já quando a maioria da população começa a reclamar do excesso de estado, políticos até ontem estatistas começam a adotar um discurso mais liberalizante.
Seguir as idéias de um político, ou mesmo de um partido político, até o ponto de afetar seu relacionamento com família e amigos significa comprometer sua própria integridade intelectual.
Simplesmente não vale a pena. E muito menos ainda se for feito em nome de políticos.
Uma das grandes tragédias da política é que ela é capaz de transformar pessoas que, na vida real, seriam pacíficas, leais e grandes amigas em inimigas amargas e rancorosas. Sempre penso nisso quando veja brigas de rua insufladas por militantes político-partidários, cada um brigando em nome do seu político ou partido político favorito.
Quem realmente ganha com isso? Se você colocasse essas mesmas pessoas em um restaurante, em um cinema ou em um shopping, elas teriam todos os motivos para ser corteses, gentis e civilizadas, e nenhum motivo para gritar obscenidades e distribuir sopapos entre si.
Isso é algo que realmente deveria ser mais refletido. Cada um de nós é um ser humano com sentimentos, esperanças, sonhos e desejos de viver uma vida bem vivida — cada indivíduo, independentemente de sua raça, religião, identidade de gênero, opção sexual ou ideologia quer isso. E a política não deveria interferir em nada disso.
Se o desejo é por um mundo mais pacífico e de mais compreensão, uma maneira de ajudar a criá-lo é viver como se tal mundo já existisse. Acima de tudo, isso significa jamais deixar a política interferir nas relações humanas. As relações humanas, e não a política, são o nosso verdadeiro tesouro.
Fonte. Jeffrey Tucker - é Diretor-Editorial do American Institute for Economic Research