Arsenal de tarifas de Trump aumenta riscos, mas pode beneficiar ‘mina de ouro’ de Lula

A gestão do republicano deve manter o dólar valorizado, impactando setores, mas beneficiando empresas como a Petrobras, onde o governo é o acionista majoritário

BATANEWS/VEJA


O presidente eleito dos EUA, Donald Trump (Joe Raedle/Getty Images)

O republicano Donald Trump assume novamente a presidência dos Estados Unidos nesta segunda-feira, 20, o mundo volta a se deparar com um discurso protecionista robusto, prenunciando uma série de políticas que ameaçam perturbar as já delicadas relações comerciais globais. Entre as medidas mais controversas está a promessa de tarifas de 25% sobre produtos vindos do Canadá e do México, além de um adicional de 10% sobre produtos chineses, o que resultaria em uma sobretaxa de 60% ou até 100% para os asiáticos. Embora a justificativa oficial seja o combate à entrada de drogas e imigrantes ilegais, é difícil não enxergar uma tentativa de forçar esses países a renegociar acordos comerciais em termos mais favoráveis aos EUA.

Essas medidas, no entanto, não afetam apenas os principais parceiros dos EUA, mas ecoam mundialmente, com consequências diretas para países como o Brasil. Em dezembro, Trump chegou a afirmar que aplicaria sobre o Brasil tarifas “equivalentes” às cobradas pelos brasileiros sobre produtos americanos, criticando o que considera valores elevados. A retórica mais agressiva veio com ameaças de tarifas de 100% sobre produtos vindos de países do Brics, caso o grupo tentasse substituir o dólar em suas transações comerciais. Isso coloca o Brasil, um importante membro do Brics, em rota de colisão com a nova Casa Branca.

A relação do Brasil com os Estados Unidos é vital para a economia brasileira. Os EUA são o principal destino de produtos manufaturados brasileiros e o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. A ameaça de Trump de impor tarifas severas sobre produtos brasileiros preocupa não apenas as grandes exportadoras, mas também coloca em risco a já frágil estabilidade econômica interna. Uma escalada protecionista pode forçar uma desvalorização ainda maior do real e pressionar o Banco Central a aumentar a taxa Selic, já que um câmbio desfavorável elevaria os custos de produção, impactando diretamente a inflação. Em meio à incerteza fiscal e política, o mercado financeiro no Brasil já se prepara para um cenário de juros na casa dos 15%.

Embora o tarifaço de Trump deva pressionar as exportações brasileiras para os EUA, afetando especialmente setores como o siderúrgico e têxtil — que estão entre os principais insumos exportados —, alguns segmentos podem se beneficiar, incluindo o próprio governo brasileiro. Isso porque o governo republicano tende a ser mais inflacionário, o que pode levar o Federal Reserve a manter ou elevar os juros, fortalecendo o dólar em relação a outras moedas. Um dólar valorizado favorece empresas como a Petrobras, da qual o governo é o acionista majoritário.

À medida que a empresa aumenta seu caixa em moeda forte, a distribuição de dividendos cresce, beneficiando diretamente o governo. Até novembro do ano passado, os dividendos pagos à União somaram R$ 23,46 bilhões, transformando-se em uma verdadeira mina de ouro em um momento em que o governo busca aumentar a arrecadação para cumprir sua promessa de zerar o déficit fiscal. Isso, no entanto, alimenta outros temores, como a alta do preço dos combustíveis nas bombas.

Os preços dos combustíveis praticados pela Petrobras atingiram o maior nível de defasagem desde meados do ano passado, segundo a Abicom, associação dos importadores de combustíveis no Brasil. Esta semana, a diferença no preço da gasolina chegou a 13%, com os valores da estatal ficando pelo menos 10% abaixo do mercado internacional desde o início do ano. Embora ainda não tenha sido anunciado nenhum reajuste — o último ocorreu em 9 de julho do ano passado —, esse cenário é insustentável, especialmente com a alta do dólar e o aumento da alíquota do ICMS, previsto para entrar em vigor em todo o país a partir de fevereiro.

Os prejudicados

Embora o setor petroleiro desfrute de uma vantagem estratégica nesse cenário, o governo enfrentará desafios substanciais em outros setores da economia, o que pode frear e dificultar o ritmo de expansão econômica. O setor siderúrgico é um dos que estão ameaçados, isso porque já foram alvo de Trump em seu primeiro mandato. O incremento nas tarifas, parte da estratégia de impulsionar a indústria doméstica, obrigaria essas empresas a buscar novos mercados para compensar a redução das vendas para os Estados Unidos.

Setores que utilizam matérias-primas cotadas em dólar, como alimentos e vestuário, também enfrentariam desafios. Na construção civil, o cenário também seria desafiador. Com a elevação dos preços dos insumos dolarizados, como aço e equipamentos, e o aumento dos juros, o setor enfrentaria retração nos investimentos e uma possível queda na demanda por novos projetos.

Além disso, setores com grandes dependências de insumos importados ou dívidas em moeda estrangeira, como o de aviação, seriam fortemente impactados. O custo de operação, principalmente de combustível e manutenção, que são cotados em dólares, aumentaria significativamente, pressionando a saúde financeira das companhias aéreas e resultando em um provável aumento nas passagens, o que poderia reduzir a demanda.

O agronegócio, que perderia espaço nos EUA devido ao protecionismo, poderia encontrar oportunidades de crescimento ao intensificar suas exportações para a China, replicando o que ocorreu durante a guerra comercial entre EUA e China no primeiro mandato de Trump, quando a demanda chinesa por soja e carne brasileiras cresceu.

Ainda assim, a retórica agressiva de Trump não é uma mera bravata. Ele usou tarifas como arma de negociação em seu primeiro mandato e provavelmente o fará novamente. Suas ameaças, exageradas ou não, já estão obrigando líderes mundiais a se mobilizarem. Canadá e México, alvos diretos de suas propostas tarifárias, já buscam diálogo para evitar o pior. No Brasil, a resposta será mais complexa, uma vez que o país já enfrenta desafios internos de inflação, dívida pública e incerteza política. Com Trump de volta ao comando, as apostas econômicas aumentam, e o Brasil precisará de uma estratégia robusta para se proteger de uma possível tempestade comercial vinda do Norte.